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Tudo posso com aqueles que me fortalecem.

Grafitaço no Jacarezinho leva arte a vida para a favela após a chacina.

Por: Mariana de Paula

O grafitaço no Jacarezinho foi um evento de dois dias (15/05 e 16/05) pensado pelo LabJaca junto com os grafiteiros dos TimesGraffRj e realizado em parceria com a Associação de Moradores do Jacarezinho. A proposta do movimento foi trazer alegria, autoestima, cultura e lazer para a favela, depois de uma semana árdua. No dia 06 do mesmo mês, o Jacarezinho viveu a pior operação realizada pelo Estado do Rio de Janeiro que culminou em 28 mortes.

Aproximadamente 30 grafiteiros, de diferentes regiões do Rio de Janeiro e também da cidade de São Paulo, chegaram no morro trazendo cor e arte. Vários muros da favela, que antes estavam depredados por marcas de tiros de arma, foram revitalizados com pinturas e grafites.

Já seria um evento incrível por si só, se não fossem as intensidades dos detalhes. O evento aconteceu no primeiro sábado após a missa de 7º dia para as vitimas da chacina, que por sinal foi um suspiro coletivo entre os familiares e todo o Jacarezinho depois de dias de tanta tristeza, choro e noites mal dormidas. Foi ver a criançada sendo criança! Descobrindo oportunidades, se espelhando em artistas, grafiteiros, fotógrafos e vendo outras mais chances para além do que elas estão habituadas.

De pano de fundo, muita tinta, muita cor, muitos sorrisos, muita risada que há dias não se via, se escutava. Fecha o olho, e imagina só: vários artistas espalhados pelo morro, pintando, final de semana de sol, crianças correndo, pegando a câmera do fotógrafo, entrevistando o amiguinho, mas sem perder a zoação. É romântico, eu sei, mas é a utopia que eu queria sempre viver.

Tem uma coisa sobre o povo preto que muito me encanta: o olhar. Nós podemos ser de famílias diferentes, estradas diferentes, ciclos e histórias diferentes, mas existe um lugar que nós nos encontramos: no olhar.

É quase intuitivo; nos conhecemos, nos reconhecemos, nos encontramos e nos acolhemos. Nos permitimos, nos resgatamos, nos questionamos e nos entendemos. Tudo em uma troca de olhares.

Esse olhar é meio arrebatador, ele é envolvente, ele não te permite sair, não te dá vontade de sair. É como se dissesse: “ei, tá tranquilo! Tá em casa, tamo junto!”. O verdadeiro tamo junto!

Encerramos um final de semana de alegria. Sendo sincera, é pouco dizer que foi de alegria. O que vivemos e presenciamos hoje ainda não tem palavra, não tem descrição. Ou pensando bem, talvez tenha sim: ancestralidade.

Quando eu digo ancestralidade, não quero limitar o encontro dos mais velhos com os mais novos. O que eu vivi hoje foi um resgate e um retorno do que é ser negro dentro da nossa comunidade. Foi mergulhar em olhares sinceros, genuínos, legítimos e reconfortantes.

Mesmo de olhos abertos consigo me imaginar em um lugar que eu nunca nem estive, em uma situação que eu não vivi, que me foi tirada obrigatoriamente com a diáspora africana, de viver a minha religião, o meu modo de vida, de viver a minha língua, minha prática, minha cultura.

Minha utopia entre os meus era só falar de potência, alegria, amor, afeto; contar histórias de família, os mais velhos passando para os mais novos, nos vermos em casa, nos sentirmos em casa. O grafitaço no Jacarezinho me permitiu viver minha utopia. Estive em casa, me senti em casa, vi meus iguais se sentirem em casa e vi meus diferentes também se sentirem à vontade.

Obrigada, LabJaca, por ser minha casa. Tudo posso com aqueles que me fortalecem! O Jacarezinho me fortalece.